Do Mundo Complexo às Microtendências

    Com o avanço contínuo da globalização e a crescente facilidade de acesso à informação, a sociedade tem se transformado em um sistema cada vez mais intrincado e multifacetado. Rafael Cardoso, em seu livro “Design para um mundo complexo”, descreve os sistemas complexos como aqueles marcados por um "alto grau de dificuldade em prever as inter-relações potenciais entre suas partes, que constantemente redefinem o funcionamento do todo". Esta definição é particularmente evidente no mundo da moda, que tem adotado novas dinâmicas nas últimas décadas.

    Historicamente, antes mesmo da criação da alta costura, as tendências de moda eram disseminadas através do modelo conhecido como trickle-down. Representado por um triângulo, o trickle-down descreve um fluxo vertical onde as tendências surgem nas camadas mais altas da sociedade e gradualmente se espalham para as classes mais baixas. No entanto, a partir da segunda metade do século XX, começamos a observar o surgimento de um novo modelo de disseminação: o bubble-up. Este modelo opera de forma inversa ao trickle-down, com tendências e padrões de comportamento emergindo em “bolhas” ou subculturas, até se tornarem tão populares que “explodem a bolha” e se tornam amplamente aceitas pela população em geral.

 

"The New Look", criado por Christian Dior no final dos anos 1940. Exemplo de tendência disseminada através do Trickle Down.

 
    Nas últimas décadas, com a fragmentação e diversificação das fontes de inspiração, esses modelos tradicionais já não são mais suficientes para explicar a disseminação das tendências atuais. O advento das redes sociais e do marketing de influência trouxe uma nova complexidade ao universo das tendências, tornando impossível traçar com precisão o início e o fim de cada uma delas. Como lemos em “O Império do Efêmero”, de Gilles Lipovetsky, “[...] é interessante visualizar esse funcionamento (da disseminação de tendências) como uma rede de conexões ou rizoma [...]. Não há como delimitar centros, origens precisas, fins específicos. Tudo se cruza, numa trama infinita de relações.”

    Essa rede altamente interconectada gerou o surgimento de um número incontável de microtendências: tomato girl, gorp core, office siren, mermaid core, clean girl, mob wife, ballet core… Essas microtendências refletem a diversidade e a fragmentação das inspirações atuais, com cada uma delas englobando peças e padrões de comportamento únicos. Em entrevista, a jornalista Érika Palomino reforçou essa ideia, explicando que “a informação amplifica-se atingindo um número maior de pessoas, em mais lugares do mundo, ao mesmo tempo. Até mesmo as classes sociais que, anteriormente, funcionavam à parte de conceitos fashion, passam a ter acesso às informações de moda. Por outro lado, as tendências já não se impõem com a mesma força. Com a pulverização dos estilos e a pluralidade das fontes de inspiração dos criadores, além da valorização do indivíduo como referencial de moda, suas diretrizes perderam força.”

 

Exemplo de look da estética "clean girl", popularizado através do tiktok.

    É neste cenário multifacetado e complexo que o capitalismo se alimenta: da incessante busca pelo novo, explorando a combinação de nossas múltiplas referências culturais. O desejo e a necessidade (fabricados) de se adequar a essas novas tendências e o consumo exacerbado resultante revelam a forma como a moda e o mercado utilizam essa complexidade para impulsionar um ciclo contínuo de consumo.
 
 
     Referências
CARDOSO, Raphael. Design para um mundo complexo. Ubu Editora, 2011.
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero. Companhia das Letras, 2009.
 
 
Por Karen Pereira
Graduanda em Design (UFRN) e Técnica em Multimídia (IFRN)

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